NÃO TENTE.
Duas palavras poderosas, principalmente quando juntas. Ouvi-las seria, certamente, um banho de água fria naqueles cujo coração pulsa sempre por novas experiências. Seria uma advertência inadmissÃvel, se não conhecêssemos seu verdadeiro significado...
Domingo assisti ao filme Factotum. Não li o livro. Na verdade, nunca li nenhum livro de Bukowski, senão pequenos poemas e trechos isolados lá e cá, além das centenas de imitadores de seu estilo.
Confesso que meu desinteresse se deu por certo preconceito com essa parcela da legião de fãs do autor, em que cada um torna-se uma tentativa vergonhosa de copiá-lo.
Com esses, infelizmente, já me deparei muito, principalmente na época em que produzia e consumia literatura de Instagram.
De fato, tenho a tendência a não gostar do pai desses infelizes contemporâneos, mas é inegável que ele tem algum valor e, claro, algumas passagens interessantes, além da vida peculiar.
O protagonista do filme, Henry Chinaski é, como sei, um alter ego literário do autor, por meio do qual ele nos apresenta um pouco da sua conturbada vida.
Não tenho muito interesse pelo estilo de literatura de Buk, mas há algo nele que chama atenção em todos nós que temos em comum o ofÃcio da escrita. Sua persistência nessa atividade é, no mÃnimo, inspiradora.
O protagonista, enquanto segue religiosamente o seu «estilo de vida» vadio, nos entrega lampejos interessantes, e até motivacionais eu diria, a respeito do ato de escrever.
Há apenas um juiz da escrita, o próprio escritor. [...]
Se deixar levar pelos crÃticos, editores ou leitores, está acabado. [...]
Ou este, que vem de encontro com o que eu sempre digo, que não há «bloqueio criativo»:
Quando começo a duvidar da minha capacidade de trabalhar com as palavras, eu leio outro escritor, e sei que não preciso me preocupar.
Isso me leva a crer que, se tratando do famoso escritor, conhecido como «velho safado», a parte que mais me agrada é a metalinguagem, a forma como ele escreve a respeito da escrita.
O filme encerra com a narração do poema que contém a famosa frase na lápide do autor, e que deixo ao final, para quem desconhece.
O que, para muitos, é uma romantização da desgraça, por sorte, eu consigo não ver dessa maneira, mas sim como um manifesto ao entusiasmo e ao propósito que nós, escritores, compartilhamos.
Ao fim, não pude deixar de me lembrar de Raul, na canção Tente outra vez, afinal:
Basta ser sincero e desejar profundo.
Tentar é mostrar a nossa paixão, o nosso entusiasmo. Persistir é provar.
Jogue os Dados, de Charles Bukowski1
Se você for tentar, vá até o fim. Senão, nem comece. Se você for tentar, vá até o fim. Isso pode significar perder namoradas, esposas, parentes, empregos etalvez sua cabeça.
Vá até o fim.
Isso pode significar não comer por 3 ou 4 dias. Pode ser congelar em um banco de praça. Pode ser cadeia, pode ser o ridÃculo, chacota, isolamento.
Isolamento é a dádiva. Todo o resto é um teste de sua resistência do quanto você realmente quer fazer isso.
E você vai fazer Independente da rejeição e das piores dificuldades será melhor do que qualquer outra coisa que você possa imaginar.
Se você for tentar, vá até o fim. Não há outro sentimento como esse. Você estará sozinho com os deuses e as noites se inflamarão em chamas.
Faça, faça, faça. Até o fim. Você guiará sua vida direto para o riso perfeito, essa é a única boa briga que existe.
Poema retirado da internet. Talvez não seja a melhor tradução.